A crescente desvalorização do real frente ao dólar, ocorrida no final de 2024 e prevista para aumentar em 2025 e 2026, terá impacto profundo na indústria brasileira, principalmente nas companhias do setor de celulose e papel. O cenário não é nada positivo. Só no ano de 2024, a desvalorização foi da ordem de 30% (em termos nominais), acelerada principalmente no último trimestre. Mantendo-se o ritmo de crescimento do endividamento das contas públicas, do aumento dos juros, da permanente instabilidade política e do “enterro” da segurança jurídica, praticamente todo o mercado desenha um cenário perfeito para o “derretimento” gradual do valor do real.
Mas já fiz uma análise (pontual e simplificada) sobre o impacto direto do câmbio nas exportações do Setor de Celulose e Papel. Esta análise foi publicada na minha coluna Estratégia e Gestão da Revista O Papel, no mês de agosto de 2024 (disponível para leitura em opapeldigital.org.br e também no newspulpaper.com). Em síntese, nas exportações de celulose, mudanças do câmbio explicam apenas 40% das variações do valor exportado pelo País nos últimos dez anos.
Por outro lado, essas mesmas mudanças explicam mais de 70% das variações do volume remetido ao exterior, no mesmo período. Já nas exportações de papel, o efeito das mudanças no câmbio explica, em média, apenas 1/3 das variações de valor ou volume das cargas de papel exportadas pelo País.
Assim, o câmbio não é a “Bala de Prata” que salva mercados internacionais do Brasil… muito pelo contrário. Os efeitos da desvalorização do real são muito mais danosos para nossas empresas do que benéficos. É sobre esses efeitos que vou comentar.
- Pressão sobre Custos Operacionais Domésticos
- Inflação Interna Elevada: A desvalorização do real frequentemente resulta em aumento generalizado de preços no mercado interno, afetando diretamente o custo de insumos e serviços essenciais para a indústria de celulose e papel. Isso ocorre porque diversos produtos e serviços, mesmo produzidos no Brasil, têm componentes de custo atrelados ao mercado internacional, ou são influenciados pela inflação importada. Exemplos incluem:
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- Energia elétrica: Embora a maior parte da energia elétrica seja gerada pela própria indústria, no caso da celulose, a maior parte das demais indústrias do segmento de papel é dependente de compra de energia elétrica da rede ou de produtores independentes. As tarifas de energia (independente da fonte) são altamente sensíveis às variações do câmbio e reajustes inflacionários previstos pelo Estado.
- Combustíveis: O preço do diesel e do bunker, amplamente usados no transporte rodoviário e na logística de exportação, são atrelados ao valor do petróleo, cujas cotações são definidas em dólares no mercado internacional.
- Madeira para celulose: Apesar de ser um insumo nacional, o aumento de custos em transporte, plantio florestal e fertilizantes encarece o preço final da matéria-prima, pressionando as margens de produtores locais. Como exemplo, o gasto com combustível representa cerca de 1/3 do custo de transporte de madeira para a fábrica, considerando uma distância rodoviária de 250 Km (considerando frota própria).
- Serviços terceirizados: Empresas que oferecem serviços de transporte, manutenção de máquinas e consultorias também ajustam seus preços devido ao aumento nos custos de insumos e salários.
- Encarecimento de Insumos Importados: A desvalorização cambial impacta diretamente o custo de importação de produtos essenciais para a operação da indústria de celulose e papel, incluindo:
- Produtos químicos: Insumos como dióxido de cloro, peróxido de hidrogênio e branqueadores usados nos processos de produção têm seus preços dolarizados, tornando-os mais caros em reais.
- Peças de reposição e equipamentos: Máquinas de alta tecnologia para a produção e manutenção, como máquinas e equipamentos de colheita florestal, descascadores, digestores e secadores de celulose, frequentemente são importados. Com o câmbio desvalorizado, a substituição ou manutenção dessas peças se torna consideravelmente mais onerosa.
- Tecnologias digitais: Ferramentas de automação industrial, sensores IoT e softwares avançados de gestão (ERP, IA, BI etc.) são frequentemente licenciados ou adquiridos em dólar ou euro, aumentando o custo para modernizar operações.
Os impactos desses custos não se restringem ao processo de fabricação, mas afetam a cadeia de suprimentos e a competitividade internacional da celulose brasileira.
- Aumento dos Custos Logísticos Internacionais
- Disputa por Armazéns Logísticos nos Portos Brasileiros: Com a crescente demanda por exportações, os armazéns próximos aos portos têm enfrentado falta de capacidade para armazenar cargas prontas para embarque. Isso resulta em aumentos nos preços de aluguel de espaços logísticos e na necessidade de manter estoques por mais tempo, ampliando os custos operacionais para as empresas exportadoras. Temos exemplos de grandes empresas de celulose brasileira exportando seus produtos simultaneamente por até cinco portos em três estados diferentes. Na outra ponta, temos empresas que se anteciparam e vêm investindo pesado em terminais próprios nos portos mais competitivos do País.
- Falta de Investimento em Portos e Retroportos: A infraestrutura portuária brasileira, em grande parte defasada, não acompanha o crescimento do volume de exportações nem a tendência de modernização da frota mundial de navios (que são maiores e exigem calado mais profundo). Retroportos insuficientes e equipamentos obsoletos contribuem para atrasos na movimentação de cargas e aumento de tarifas portuárias, impactando diretamente a competitividade do setor.
- Bloqueios de Canais de Navegação e Ameaça de Pirataria: Eventos como bloqueios de canais marítimos estratégicos – a exemplo do Canal de Suez – geram atrasos significativos nas rotas comerciais e aumentam os custos com frete marítimo. Adicionalmente, a atividade de piratas em certas regiões estratégicas eleva os custos de seguro de carga e a necessidade de escoltas armadas, dificultando ainda mais as operações internacionais.
- Conflitos Armados e Rotas Alternativas: Guerras e tensões geopolíticas, como os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, forçam as empresas a utilizarem rotas marítimas mais longas e menos eficientes, aumentando os custos de transporte e o tempo de entrega. Isso reduz a competitividade das empresas brasileiras de celulose nos mercados internacionais, principalmente em regiões como Europa e Ásia.
- Impacto em Contratos de Dívida e Financiamentos
Como um setor fortemente dependente de tecnologia industrial e logística importada, o aumento dos custos de aquisição e manutenção, aliado à desvalorização cambial, elevam a dívida em moeda estrangeira. Isso pressiona os balanços financeiros de empresas que utilizam financiamentos externos para modernização ou expansão de suas operações.
- Dependência de Condições Globais de Mercado
O cenário de estoques elevados em mercados-chave, como China e Europa, tem exercido uma pressão significativa sobre os preços internacionais da celulose. Estoques elevados geralmente indicam que a oferta de celulose excede a demanda, resultando em maior competitividade entre fornecedores para vender seus produtos. Essa dinâmica força as empresas exportadoras, incluindo as brasileiras, a oferecer preços mais baixos ou condições comerciais mais vantajosas para conseguir posicionar sua produção, dificultando a transferência de custos crescentes para o consumidor final.
Os impactos diretos dos estoques internacionais nos preços dos produtos exportados pelo Brasil:
- Redução de Preços de Referência: Altos níveis de estoque nos portos e fábricas de papel da China, maior importadora de celulose no mundo, têm mantido os preços de referência no país em patamares baixos. Isso ocorre porque os compradores, com acesso imediato à matéria-prima, não sentem urgência em adquirir novos volumes, reduzindo a procura por contratos futuros.
- Pressão sobre Margens: Na Europa, que enfrenta uma desaceleração econômica e mudanças na demanda por papel gráfico, o excesso de oferta nos estoques também desestimula aumentos de preços, afetando diretamente a capacidade das exportadoras brasileiras de proteger suas margens de lucro.
A desvalorização cambial tem impactos profundos na logística e nos seguros das exportações de celulose, gerando custos adicionais em diversas frentes. Esses custos não apenas afetam as margens de lucro, mas também aumentam a complexidade do gerenciamento de riscos e da cadeia de suprimentos.
- Custos Elevados de Combustíveis: Combustíveis representam uma parcela significativa dos custos logísticos, especialmente em um país com dimensões continentais como o Brasil, onde o transporte terrestre até os portos é essencial para a exportação. A desvalorização do real eleva o preço do diesel, que é influenciado diretamente pelo valor do barril de petróleo em dólares no mercado internacional.
- Prêmios de Seguro Mais Caros: Com o câmbio desfavorável, o valor segurado das cargas, que geralmente é calculado em moeda estrangeira, aumenta significativamente em termos de real. Isso implica em prêmios de seguro mais elevados, onerando o custo total de exportação.
- Riscos Geopolíticos e Pirataria: Conflitos armados, como na Ucrânia e no Oriente Médio, e o aumento da atividade de piratas em rotas comerciais estratégicas, especialmente em regiões como o Golfo de Áden, elevam o risco para as seguradoras. Esse cenário resulta em prêmios mais altos e na exigência de medidas adicionais de segurança, como escoltas marítimas.
- Atrasos Logísticos: Rotas marítimas mais longas, em resposta a bloqueios de canais ou conflitos armados, resultam em atrasos na entrega, afetando o cumprimento de contratos e a relação com clientes internacionais. Além disso, Agentes de Carga em todo o País têm divulgado que é cada vez mais comum o fenômeno da “Omissão de Carga ou Omissão de Navio”, quando a embarcação prevista para atracar em certo porto em determinada data, não atraca e segue sua rota para outro terminal.
Neste caso, a carga com data prevista de embarque é “rolada” para a próxima agenda, gerando comprometimento de espaço no terminal e custos adicionais (alguns armadores cobrem este custo, mas outros não). - Exposição Cambial Adicional: Fretes marítimos contratados em dólares aumentam o impacto da desvalorização cambial diretamente sobre os custos logísticos. Em tempos de volatilidade do câmbio, operações de “hedge” são interessantes, mas causam maior complexidade de planejamento e custos administrativos.
Fonte: https://newspulpaper.com/